Generalidades Atos normativos, disposições e normas

Norma Adrian Sgarbi Doutor em Direito pela USP. Professor de Direito Constitucional e Teoria do Direito da FDPUC-Rio Sumário: 1. Generalidades. - 2. Atos normativos, disposições e normas. - 3. Normas de conduta, normas de estrutura e sanções. - 4. Composição formal das normas jurídicas. 5. - Normas e proposições jurídicas. - 6. Algumas predicações normativas.

1. Generalidades

A linguagem prescritiva faz parte dos usos lingüísticos cotidianos. Quando dizemos para uma criança «Não coloque o dedo na tomada», ou mesmo quando pontuamos «Faça o seu dever de casa», «Não pronuncie o nome de Deus em vão» etc., o que estamos inserindo em nosso campo de comunicação são prescrições. As prescrições funcionam, assim, como pautas para o comportamento dos indivíduos, pois são afirmações acerca do que deve ser feito nos diversos casos e situações da vida Bobbio, 1993. É certo, contudo, que das muitas prescrições pensáveis morais, de trato social, costumeiras etc., destacam-se as prescrições jurídicas porque, independentemente do que pense ou esteja a desejar o destinatário, quando emitidas, atuam não apenas como um redutor de opções em suas variadas possibilidades de agir, mas também como um redutor garantido institucionalmente pelo aparado burocrático estatal que detém o monopólio do uso da força CP, art. 345. Tal significa que além da seleção de ações possíveis que origina, sobressai do conjunto normativo jurídico a presença do aparato estatal e de suas técnicas de dissuasão. Daí poder dizer-se, em acepção elementar, que “norma jurídica” corresponde a um enunciado prescritivo que estabelece uma conseqüência jurídica quando da aparição de certas circunstâncias «Se se verifica a situação típica “p”, então segue a conseqüência jurídica “S”».

2. Atos normativos, disposições e normas

A palavra norma, e, propriamente, a expressão “norma jurídica”, apesar de sua ampla difusão, não desfruta, seja na linguagem doutrinária, judicial ou mesmo na linguagem do legislador, de univocidade designativa. Se por vezes há o entendimento que uma norma corresponde a uma regra de comportamento que determina o que se deve e o que não deve ser feito, outras vezes é utilizada como sinônimo de certo texto ou documento legislativo, ou mesmo de parte desse texto ou documento legislativo. Tal é perceptível nas seguintes frases: «Os cidadãos têm o direito de se reunirem para fins pacíficos»; «A Constituição da República é uma norma»; «O legislador produz normas»; «Leia a norma X do Código civil». O problema desse uso despreocupado, ou mesmo ingênuo, é que ele corresponde a indisfarçável baralhamento de idéias; baralhamento que, desgraçadamente, é muito difundido e que consiste na identificação dos enunciados legislativos com os significados desses enunciados, o que tem reforçado a impropriedade de construções frasais como estas: «O juiz interpretou a norma», «Você não aplicou adequadamente o artigo Y», e assim sucessivamente. Por outras palavras, o que ocorre é uma confusão entre os suportes materiais, os signos gráficos de uma língua natural, com o que tais signos exprimem ou significam. Um enunciado é uma expressão lingüística, oral ou escrita, com forma gramatical completa Guastini, 1992. A completude do enunciado encontra-se determinada pela gramática da língua em questão. Daí que quando se diz «O rato roeu a roupa do rei de Roma», está-se diante de um enunciado completo, mas quando nos deparamos com «..rato roeu...» e «..rei de...», não estamos mais diante de um enunciado, mas de locuções ou sintagmas. Locuções ou sintagmas são grupos de unidades lingüísticas palavras que, unidas, formam uma unidade significativa. Por exemplo: se olho é verbo, “passo a olhar”, “continuo olhando”, “volto a olhar” são locuções verbais. Se um enunciado é parte de um texto normativo, o enunciado recebe o nome de dispositivo ou preceito legal ou ainda, mais especificamente, quando em uma constituição, de dispositivo constitucional. Um dispositivo ou disposição é assim um enunciado do discurso legislativo o que se costuma chamar de legislação. Todavia, um dispositivo, seja ele constitucional ou infraconstitucional, não pode ser compreendido como sinônimo de norma. E isso porque não é nada além de enunciados contidos nos textos normativos ao passo que as normas elas são o sentido desse texto ou textos, o resultado, enfim, do seu processo interpretativo. Por isso que um texto normativo pode conter muitas normas, nenhuma norma, ou uma única norma. Essa desassociação falta de correspondência biunívoca é explicável como resultante de causas muito diversas, ainda que seja recorrente citar-se o problema nomográfico da má formulação do texto como a principal delas. Quanto a isso, podem-se tanto mencionar as formulações incompreensíveis, como, também, as formulações ambíguas e as formulações textuais redundantes. Há formulações incompreensíveis quando os problemas gramaticais são de tamanha magnitude que o texto nada significa; ambigüidade quando um único texto apresenta mais de um sentido como uma norma é o sentido de um texto, um mesmo texto expressa, aqui, mais de uma norma; e redundância quando dois ou mais textos estão a expressar uma mesma norma há, pois, caráter significativo sinônimo nas construções frasais. Mas não apenas por problemas de construção que se tem comprovado a desassociação entre texto e norma disposições sem norma fig. 1, disposições ambíguas fig.2, e disposições redundantes fig. 3; é possível que os intérpretes dos textos combinem as disposições formulando normas que as disposições isoladas não têm como fornecer fig. 4. Pensável é, também, a situação em que muitos textos não expressem norma alguma por falta de outro texto normativo que complete seu significado fig. 5, pois não havendo significado não há norma. Além disso, podem ser acrescentadas as hipóteses em que há normas sem disposição normativa direta fig. 6, tais como: os costumes jurídicos, os princípios implícitos, e os resultados do emprego das técnicas de integração a simili ou analógico, a contrario, etc. levadas a efeito pelo aplicador quando colmata lacunas Guastini, 1992. Com respeito à especificidade dos textos normativos, estes são decorrências de atos normativos. Deve-se distinguir, por conseguinte, a atividade de produção normativa das atividades interpretativas: uma consiste na criação dos textos normativos; a outra na enucleação destes textos em normas. Os atos normativos, assim, relacionados com a produção de textos, são os atos voluntários regulados n o r m a t i v a m e n t e c o m v i s t a s à e l a b o r a ç ã o d e m a t e r i a i s j u r í d i c o s . Paradigmaticamente, ditos atos normativos encontram sede no processo legislativo CF, art. 59 até 69. Desse modo, os atos normativos não podem ser reduzidos ou identificados com seu resultado: atos normativos e textos normativos são lógica e temporalmente distintos, pois há relação de precedência dos primeiros em relação aos últimos. Atos normativos de produção normativa são atos de criação de textos, são emissões de enunciados, não de normas. Por isso que a atividade interpretativa, de modo elementar, consiste em realizar o procedimento intelectual de atribuir ou adscrever significado a um ou mais enunciados normativos; e a norma, o seu resultado. Sendo assim, enquanto os textos normativos materiais jurídicos escritos são “produtos do legislador”, as normas são “adscrições dos intérpretes” e, em particular, dos juízes. Daí que não se interpreta normas, mas se as aplica, demais de que não se aplicam os textos, mas se os interpreta. Conclui-se assim que, da parte dos intérpretes, os textos normativos encontram-se intocáveis sintaticamente já que a modificação textual apenas pode ser processada pelos agentes competentes para a produção normativa.

3. Normas de conduta, normas de estrutura e sanções