RELACOES ENTRE APRENDIZAGEM E DESENVOLVI

RELAÇÕES ENTRE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO: A
ABORDAGEM DE JEROME BRUNER
Patrícia Vasconcellos Pires Ferreira
Para Bruner (1997b) o desenvolvimento humano deveria ser visto
como algo que não está apenas dentro do indivíduo, mas também na
sua relação com o mundo que o rodeia, pois o homem é parte da
cultura que herda e que pode, a partir de suas intervenções nela,
recriar essa cultura.
RESUMO: Este ensaio discute as possíveis relações existentes entre
desenvolvimento cognitivo e aprendizagem, a partir da perspectiva de Jerome
Bruner. As implicações para a prática escolar da teoria do ensino de Bruner são
também discutidas.
Palavras-chave: Aprendizagem; desenvolvimento cognitivo; prática escolar.
Conceitos gerais
As relações existentes entre aprendizagem e desenvolvimento cognitivo são
bastante complexas e são articuladas a partir de diversas perspectivas. A imagem
da criança com características diferentes das do adulto não existiu desde sempre e
é, sim, fruto de uma longa construção histórica, durante a qual a criança passou a
ocupar um novo lugar social. Gouvêa (2002) nos mostra que na sociedade medieval
européia a criança não era percebida como diferente do adulto, tanto nas suas
características afetivas como na sua forma de compreender e interpretar o mundo.

Naquela época, a criança participava das atividades sociais do mundo dos adultos e
através das interações estabelecidas exercia o seu aprendizado. Acompanhando o
trabalho dos adultos, participando dos momentos de brincadeiras ou dos saraus
para a transmissão oral de histórias (hoje, contos infantis registrados por Perrault),
a criança ia se apropriando do seu universo cultural. Na sociedade feudal, assim
que ultrapassava a faixa de risco para a mortalidade infantil, a criança iniciava o
seu papel produtivo, que seria o mesmo exercido até o final de sua vida. Com o
surgimento da burguesia, a criança começou a ser cuidada e preparada para uma
atuação futura; surgiram as escolas.
Gouvêa (2002) salienta que a visão de que a criança deveria ocupar lugares
diferentes em relação à sociedade adulta instigou a construção de saberes sobre a
infância: como as crianças pensavam, como compreendiam o mundo, como se
relacionavam com outras crianças e com outros adultos, como se tornavam
adultos? Enfim, a ciência começou a investigar como a criança se desenvolve. No
século XX, Piaget, Freud, Vygotsky, Wallon e Bruner, entre outros, são autores que
enveredaram pelo estudo do desenvolvimento infantil na tentativa de compreensão
do adulto. Alguns desses autores entendem a criança como categoria universal
(biológica); outros colocam a idéia de que cada criança vive a sua infância no
interior de uma determinada cultura que lhe dá significação; ainda há os que
tentam articular essas duas perspectivas.

A abordagem enfocada nesse ensaio é a do psicólogo americano Jerome Bruner
(1915 - ). Barros (2002, p.110) nos apresenta um pouco da trajetória de Bruner. No
início de seus estudos em Harvard, Bruner estudou percepção e aprendizagem
animal. A partir de sua experiência na Segunda Guerra Mundial interessou-se pela
Psicologia Social; após seu alistamento no exército e o fim da guerra, publicou
trabalho mostrando com as necessidades influenciam a percepção. Suas pesquisas
prepararam o terreno para a Psicologia Cognitiva. Em 1960, Bruner participou da
fundação do Centro de Estudos Cognitivos, da Universidade de Harvard. Um dos
pontos de seus estudos é a interseção entre os processos de aprendizagem e
desenvolvimento cognitivo no ambiente escolar, expressa em sua afirmação: “Se

você quer saber como as crianças realizam a aprendizagem, em situação escolar,
então estude crianças em sala de aula, e não ratos e pombos em gaiolas”.
Assim como Piaget, Bruner situa a ação do aprendiz como elemento central para o
seu desenvolvimento. Ao agir sobre o mundo o aprendiz descobre como controlá-lo.
Porém, Bruner (1977) não concordava com a idéia defendida por Piaget de estágios
sucessivos de desenvolvimento:
“Mas o desenvolvimento intelectual da criança não é uma seqüência regular e
infalível de acontecimentos; reage também às influências do ambiente, sobretudo
ao ambiente escolar. Assim, a aprendizagem de idéias científicas, mesmo a um

nível elementar, não precisa seguir exatamente o curso natural do desenvolvimento
cognitivo da criança. Pode também conduzir o desenvolvimento intelectual,
fornecendo-lhe oportunidades úteis, que a desafiem a avançar.”
Kishimoto (1998) nos mostra que já na década de 60 Bruner especifica as formas de
compreensão
do
mundo
que
subsidiam
a
conduta
infantil: enativa (motricidade),icônica (imagens)
e simbólica (símbolo).
Bruner
(1969) ressalta que algumas atividades que desenvolvemos como, por exemplo,
velejar (o seu esporte preferido), não podem ser ensinadas apenas através de
imagens ou roteiros; faz-se necessário que realizemos a ação de velejar. Uma forma
não excluiria a outra e, sim, poderia ampliá-la.
Os estudos iniciais de Bruner foram realizados com adultos e estavam relacionados
às estratégias de resolução de problemas, dentro de uma perspectiva da teoria da

informação. Bruner constatou que as pessoas não utilizam uma única forma para
raciocinar e resolver problemas. Wood (1996) nos mostra que para Bruner a lógica
não seria a base do pensamento maduro e adaptativo, mas seria uma das várias
maneiras de pensar.
Como Vygotsky, Bruner enfatiza o papel da linguagem, da comunicação e da
instrução no desenvolvimento do conhecimento e da compreensão.
Como nos aponta Wood (1996), para Bruner, o desenvolvimento humano está
permeado pelo papel da cultura e da interação social e, também, pelas influências
da biologia e da evolução.
Bruner (2001, p. 171) nos mostra a importância da interação entre a perspectiva
biológica e cultural:
“Para que a psicologia avance na compreensão da natureza e da condição
humanas, ela deve aprender a entender a interação sutil da biologia com a cultura.
A cultura é provavelmente o último grande truque evolutivo da biologia. Ela liberta
o Homo sapiens de modo que este pode construir um mundo simbólico
suficientemente flexível para atender às necessidades locais e se adaptar a uma
infinidade de circunstâncias ambientais. Tentei mostrar como a capacidade de
intersubjetividade do homem é fundamental nesta adaptação cultural. Ao fazê-lo,
espero ter deixado claro que, embora o mundo da cultura tenha atingido uma
autonomia própria, ele é restrito por limites biológicos e por predisposições

biologicamente determinadas. Então, o dilema do estudo do homem é compreender
não apenas os princípios causais de sua biologia e de sua evolução, mas entendêlos à luz dos processos interpretativos envolvidos na extração de significado.
Desdenhar o poder da cultura em moldar a mente do homem e abandonar nossos
esforços de fazer com que este poder passe para o controle humano é um ato de
suicídio moral.”
Uma teoria de desenvolvimento na cultura
Bruner (2002) nos aponta que qualquer teoria global do desenvolvimento deve
levar em consideração tanto os aspectos invariantes e seqüenciais do
desenvolvimento intelectual, como também os saltos, tão inexplicáveis, que
ocorrem nesse desenvolvimento em determinados contextos e situações.
Para o autor, apesar da psicologia humana precisar considerar o desenvolvimento
humano enquanto processo biológico intrínseco à espécie, essa mesma psicologia
não pode deixar de considerar os aspectos da cultura na qual todo ser humano está
inserido. Bruner (1997b) considera que existem duas formas pelas quais as
“instruções” sobre como devemos nos desenvolver – enquanto humanos – são

repassadas de geração a geração: uma é o genoma e a outra é a cultura. O homem
está sempre “condicionado” pelo seu genoma e pela sua cultura, onde a cultura
oferece modos de desenvolvimento possíveis para a atuação da sua maleável
herança genética. Logo, a psicologia humana não poderia deixar de ser uma

psicologia cultural. Enfatiza que “dizer, então, que uma teoria do desenvolvimento
éindependente da cultura não é fazer uma afirmação errada, mas absurda”.
Fazendo uma análise sucinta sobre o que os grandes titãs (assim chamados por
Bruner) da psicologia do desenvolvimento - Freud, Piaget e Vygotsky - trouxeram
sobre o desenvolvimento infantil e a cultura, Bruner (1997b) nos mostra que tanto
para Freud como para Piaget o desenvolvimento infantil seguiria uma estrutura de
estágios e o crescimento ocorreria naturalmente. Porém, para Freud a cultura teria
um papel fundamental nesse desenvolvimento, pois seria através das relações com
o outro e com o mundo que o ser humano se constituiria enquanto sujeito;
acessando seu passado, o homem poderia se libertar da “prisão” de sua própria
história. Já para Piaget, a explicação do raciocínio infantil poderia ser encontrada
dentro da lógica de cada estágio de desenvolvimento da criança no presente, não
na sua história passada de vida; a cada forma mais evoluída de pensamento, o ser
humano compreenderia o passado e o presente de uma forma mais ampla; não
seria o passado determinando o presente, mas o presente com o controle sobre o
passado. Bruner (1997b) nos diz que “se para Freud a chave da luta estava
informada contra o passado, para Piaget ela estava na nutrição adequada do
presente”. Para Vygotsky, como nos mostra Bruner, a mente não se desenvolveria
naturalmente, nem de forma desassistida; ela não seria determinada nem por sua
história, nem pelas restrições lógicas de suas operações mentais no presente, mas

o desenvolvimento infantil seria produto da relação da criança com o meio no qual
está inserida, sendo de fundamental importância as intervenções do adulto com a
criança. O principal meio de interação criança-cultura seria a linguagem, um
sistema simbólico compartilhado culturalmente. À medida que a criança
desenvolveria a linguagem, desenvolveria também sua forma de pensar, como dois
rios que correriam em separado, mas fluiriam ao mesmo tempo. O autor (1997b)
nos diz que “para Vygotsky, a linguagem era uma agente para se alterar os poderes
do pensamento – dando ao pensamento novos meios para explicar o mundo. Por
sua vez, a linguagem tornou-se o repositório para os novos pensamentos assim que
se chegava a estes”. Para Freud, a linguagem seria o veículo de expressão do
arcaico e do reprimido; para Piaget, a linguagem refletiria o pensamento e não o
determinaria em sentido algum, pois o fato da lógica interna do pensamento ser
expressa através da linguagem não teria nenhum efeito sobre a lógica em si. Bruner
(1997b, p.151) sintetiza muito bem como esses três grandes titãs entendem o
desenvolvimento infantil:
“Freud encara o presente a partir do passado: o crescimento é pela liberação. Piaget
respeita a integridade inviolada do presente: o crescimento é a nutrição da lógica
intrínseca. E Vygotsky transforma o passado cultural no presente gerativo pelo qual
procuramos alcançar o futuro: crescimento é alcançar”.
Fazendo uma análise do momento cultural contemporâneo, o autor nos mostra que

estamos passando por uma revolução, pois o nosso presente é algo que nenhum
ser humano jamais conseguiu imaginar um século atrás. Avançamos bastante em
termos tecnológicos, em força armamentista e no domínio dos mais pobres pelos
mais ricos. Estamos à beira da destruição do nosso planeta; estamos sem
perspectiva de futuro. Como, então, falarmos de uma teoria de desenvolvimento do
ser humano, quando a “imaginação cultural” das pessoas teme que não haja
futuro? Desenvolvimento está intrinsecamente ligado a um olhar sobre o futuro.
Bruner (1997b, p. 155) sugere, então, que quando tivermos retomado o controle da
situação teremos uma teoria de desenvolvimento humano motivada pela questão
de como criar uma nova geração que empeça o mundo de se autodestruir e que
perceba que:
“O significado e a realidade são criados e não descobertos, que a negociação é a
arte de construir novos significados pelos quais os indivíduos podem regular suas
relações uns com os outros”.

Para Bruner (1997b) o desenvolvimento humano deveria ser visto como algo que
não está apenas dentro do indivíduo, mas também na sua relação com o mundo
que o rodeia, pois o homem é parte da cultura que herda e que pode, a partir de
suas intervenções nela, recriar essa cultura. Segundo esse teórico (1997b, p. 156)
“o poder de recriar a realidade, de reinventar a cultura, viremos a reconhecer, é

onde uma teoria do desenvolvimento deve começar sua discussão sobre a mente”.
Um outro ponto que esse teórico (2001) considera fundamental numa visão cultural
do desenvolvimento humano é o papel da intersubjetividade – como os seres
humanos passam a conhecer a mente uns dos outros. Sugere, então, a idéia de
psicologia cultural, onde a realidade externa (objetiva) só pode ser conhecida pelas
propriedades da mente e pelos sistemas de símbolos nos quais a mente se baseia.
Um outro olhar de Bruner para as questões subjetivas da mente está em suas
considerações sobre as relações existentes entre emoção e sentimento e cognição,
pois para ele a cognição não os descarta e os representa nos processos de
produção de significados e em nossas construções da realidade.
Para Bruner (1997a), o símbolo depende da existência de sinais, de modo que a
relação de um sinal com seu referente é arbitrária e existe apenas em relação à sua
posição dentro do sistema de sinais que define o que ele representa; por isso, os
símbolos dependem de uma linguagem que contenha um sistema de sinais
ordenado por regras. Para compreendermos um símbolo, dando-lhe significado,
precisamos da capacidade humana de interiorizar essa linguagem e utilizar suas
regras para interpretar essa relação, em que uma parte representa a outra. Bruner
acredita que a linguagem é um sistema simbólico compartilhado culturalmente e
que para a criança apropriar-se dela deve fazer uso da mesma. Desde cedo, através
da relação com outras pessoas a criança usa a linguagem – ainda que prélingüística - para dizer o que pensa e sente, ou seja, para se comunicar. Essa

capacidade de comunicação da criança já existe antes mesmo do surgimento da
linguagem formal e o desenvolvimento desta última vai ser favorecido pela
capacidade da criança de dar significado de algum modo pré-lingüístico ao contexto
do que está sendo falado e essa construção de significados é uma atividade
essencial na cultura, já que os mesmos são compartilhados pela comunidade na
qual a criança está inserida.
Uma teoria de ensino
Olson; Bruner (2000) nos dizem que “o ensino e a aprendizagem não devem mais
ser vistos como duas atividades ligadas de forma causal, ... mas como uma forma
especial de compartilhar ou vir a compartilhar crenças, objetivos e intenções – em
uma palavra, como uma cultura”.
De acordo com Bock (1999), Bruner concebeu o processo de aprendizagem como
“captar as relações entre os fatos”, adquirindo novas informações, transformandoas e transferindo-as para novas situações. Partindo dessa premissa, tentou elaborar
uma teoria de ensino, onde a matéria fosse organizada de maneira eficiente e
significativa para o aprendiz; é fundamental que o aprendiz compreenda o que está
aprendendo. Além da extensão da matéria, Bruner focava sua atenção na sua
estrutura, entendendo-se estrutura da matéria como a natureza geral do fenômeno,
suas idéias mais amplas e, também mais básicas. Propunha, então, que para
instigar uma atitude de investigação no aprendiz, através do método da descoberta,
o especialista na matéria deveria partir de conceitos mais gerais para ir

aprofundando esses conceitos com informações mais específicas, mais complexas,
como num espiral.
Para o autor a criança poderá aprender qualquer coisa, se o professor lhe for
acessível e se seus conhecimentos anteriores lhe possibilitarem a compreensão do
conteúdo que está sendo ensinado. Bruner, citado por Bock (1999, p. 120) nos diz:
“qualquer assunto pode ser ensinado com eficiência, de alguma forma
intelectualmente honesta, a qualquer criança, em qualquer estágio de
desenvolvimento”.
O autor propõe o lúdico para ensinar crianças de diferentes idades, em situações
estruturadas, com a mediação de adultos. Kishimoto (1998) enfatiza que para
Bruner o brincar seria uma forma de exploração, de estratégia de resolução de

problemas que leva ao pensamento divergente por sua característica pouco
opressora e estimuladora da criatividade, pois “ao brincar, a criança não está
preocupada com os resultados; é o prazer e a motivação que impulsionam a ação
para explorações livres”. O ato lúdico representaria um primeiro nível de construção
de conhecimento, o nível dopensamento intuitivo (ou raciocínio narrativo); o prazer
e a motivação originados dessa exploração iniciariam o processo de construção de
conhecimento que deve seguir um caminho mais sistematizado, para que se possa
adquirir conceitos significativos (pensamento analítico ou raciocínio lógicocientífico).
Apesar de enfatizar a importância da brincadeira livre de qualquer pressão para o
desenvolvimento infantil, Bruner enfatiza o papel do educador como mediador e
estimulador da aprendizagem, pois através dessa orientação os conteúdos
intuitivos se tornarão idéias lógico-científicas, características dos processos
educativos. Então, o caminho para a aprendizagem seria o de misturar momentos
iniciais de brincadeiras, para que possa atrever-se a pensar, falar e ser ela mesma,
com atividades orientadas pelo educador, onde esse saber seria mais
sistematizado.
Kishimoto (1998) nos mostra que para Bruner existem três elementos que
participam da aprendizagem: a aquisição de nova informação, sua transformação
ou recriação e avaliação, onde:
“A aquisição de nova informação varia conforme a metodologia empregada:
aprendizagem dirigida, com informações e explicações do professor ou ação da
criança, visando a descoberta, por meio de brincadeiras. Bruner entende que a
aprendizagem centrada na criança permite a compreensão significativa da
informação bem como sua transformação ou recriação e rápida recuperação. A
transformação é processo de internalização que reorganiza a informação dentro da
estrutura de idéias disponíveis e a avaliação representa sua compatibilidade e
possibilidade de expressão. A teoria de aprendizagem criativa parte de
conhecimentos adquiridos pela criança. Não há geração espontânea de
informação.” (p. 144)
Bruner, como Vygotsky, relaciona a cultura e o uso de ferramentas ao
desenvolvimento da inteligência. O lúdico, sem a cobrança de resultados, promove
a flexibilidade, o que favorece a busca de ferramentas culturais. As brincadeiras
sempre foram acompanhadas de convenções sociais, preconceitos e formas de
socialização que vão orientando as crianças em como devem se tornar adultos. Para
Bruner é importante que as crianças sejam agentes de sua aprendizagem e que
aprendam na interação com outras crianças; porém, compartilha do conceito de
Zona de Desenvolvimento Proximal de Vygotsky, onde a intervenção do professor,
pela instrução formal, favoreceria o desenvolvimento cognitivo do aluno.
Garton (1995) nos apresenta o conceito de Bruner de scaffolding, conceito este
semelhante à idéia de Vygotsky de Zona de Desenvolvimento Proximal, para a
intervenção dos adultos, particularmente dos professores, junto às crianças, como
facilitadores do processo ensino-aprendizagem. Scaffolding é uma metáfora para
conceitualizar o processo em que o professor atua como mediador na construção do
conhecimento pela criança, partindo de sua etapa de desenvolvimento e do seu
conhecimento atual; não há uma instrução formal e direta do conteúdo a ser
trabalhado, mas uma construção paulatina realizada pelo aluno e guiada pelo
professor que pode intervir com perguntas, colocações, novas informações e
sugestões de novas relações, ajudando o aluno no desenvolvimento do seu
potencial como um todo.
Para Bruner a educação deveria respeitar as formas de representação do mundo da
criança, favorecendo um percurso pelo movimento (enativo), pelo grafismo e
imagens mentais (icônico) e atingindo o lógico-científico (simbólico). Crianças que
brincam aprendem a decodificar o pensamento dos colegas de brincadeira por meio
da metacognição, o processo de substituição de significados, típico de processos
simbólicos, ocorrendo assim o desenvolvimento cognitivo.
Bruner (2002) coloca a importância de não se objetivar na educação apenas o
desenvolvimento cognitivo do aluno – no que se refere à aquisição e uso do
conhecimento, não se restringindo a educação à mente “racional”.

A formação dos professores é um dos pontos que Bruner enfatiza, pois acredita que
ensinamos a partir de nossas crenças sobre a mente do aprendiz, ou seja, a
concepção que um professor tem do aluno molda a instrução que ele aplica.
Para o autor é de fundamental importância as teorias intuitivas cotidianas que
temos sobre como a mente funciona. Essas teorias leigas são chamadas de
psicologia popular. Bruner (2002, p. 54) diz que:
“A psicologia popular não apenas trata da forma como a mente funciona aqui e
agora, mas também está equipada com noções sobre como a mente da criança
aprende e até mesmo o que a faz crescer. Da mesma forma que somos guiados na
interação corriqueira por nossa psicologia popular, também somos guiados na
atividade de ajudar as crianças a aprender sobre o mundo por noções de pedagogia
popular”.
Bruner (2002) entende que qualquer proposta de educação que esteja sintonizada
com uma teoria da mente e uma perspectiva cultural deve considerar:
1.
O
preceito
da
perspectiva.
O significado de qualquer fato, proposição ou encontro é relativo ao quadro de
referência a partir do qual é construído. A vida em uma cultura é uma interação
entre as versões do mundo que as pessoas formam sob sua influência institucional
e as suas versões que são produtos de suas histórias individuais. Esse preceito
ressalta a importância da interpretação e da produção de significados do
pensamento humano.
2.
O
preceito
das
restrições.
A produção de significados na cultura sofre restrições da especialização da evolução
da espécie humana em determinadas formas de saber, pensar, sentir e perceber.
Porém, essas restrições não são dotes fixos inatos à espécie humana e apenas
refletem como representamos o mundo por meio da linguagem e das teorias
populares,
mas
não
são
imutáveis.
Outra restrição à atividade mental é a imposta pelos sistemas simbólicos acessíveis
à mente, limite imposto pela própria natureza da linguagem. Esse limite pode ser
superado a partir de uma consciência metalingüística, onde a educação poderia
enfatizar o processo de “pensar sobre o pensar”.
3.
O
preceito
construtivista.
A realidade “objetiva” é uma realidade construída, a partir da produção social de
significado. A educação deve propiciar ao ser humano o seu acesso às ferramentas
culturais de produção de significados e de construção de realidade, ajudando-o a
modificar esse mundo quando necessário.
4.
O
preceito
interacional.
As crianças descobrem o mundo, dentro de uma perspectiva cultural, a partir de
sua interação com os outros. A linguagem e a intersubjetividade (habilidade
humana de entender as mentes dos outros, seja por meio da linguagem, dos gestos
ou outros meios) fornecem ao ser humano as ferramentas para que interaja com
outros de sua comunidade contando e mostrando o que lhe acontece e como lê o
mundo. Na educação, os professores, num processo interativo com as crianças,
podem ir construindo andaimes (conceito de scaffolding, citado anteriormente no
texto) para que as crianças possam ir elaborando o seu conhecimento a respeito do
mundo.
5.
O
preceito
da
externalização.
A importância de se concretizar o aprendido em obras culturais não pode ser
ignorada pela escola, visto que as obras de um grupo favorecem um sentimento de
identidade e uma sensação de continuidade, além de manter a solidariedade do
grupo. A externalização produz um registro do esforço mental, um registro fora do
mundo “abstrato” da mente, dando visibilidade à mesma.
6.
O
preceito
do
instrumentalismo.
A educação sempre tem conseqüências para toda a vida daqueles que foram
submetidos a ela; logo, a educação jamais é neutra; é sempre uma ação política.
Quando falamos de educação em uma cultura temos que levar em consideração
dois aspectos: o talento e as oportunidades. Sabemos hoje que existem diversas
maneiras de se utilizar a mente, muitas maneiras de saber e construir significados,
tendo essas maneiras usos em diferentes situações. Bruner (2202, p. 33) afirma que

“Howard Gardner mostra de forma bastante convincente que algumas dessas
aptidões (que ele chama de ‘estruturas da mente’) possuem uma base inata e
universal”. Porém, além das diferenças inatas de aptidões, existe o fato de que as
culturas enfatizam de forma diversa o uso de diversas formas de pensamento e de
atuação na realidade. Às vezes a escola transmite esses valores culturais de forma
implícita como na organização dos seus currículos, quando prioriza determinados
conteúdos como essenciais, outros como menos relevantes e ainda o que deve ser
trabalhado pelos meninos e pelas meninas. Então o mais importante “conteúdo” da
escola é a própria escola, já que vai ser a partir da sua própria experiência com a
escola que a criança vai dar significado ao seu conceito de escola.
7.
O
preceito
institucional.
A escola, no modelo que conhecemos hoje, é uma instituição e, como tal tem todas
as características dessa forma de organização social. Porém, ela não pode deixar de
se responsabilizar pelo que tem de especial na sua função enquanto instituição: o
seu papel na preparação das crianças para que essas assumam uma parte mais
ativa em outras instituições da cultura. Por isso é de fundamental importância o
lugar dos professores nessa instituição, pois é através deles que ocorre a ‘ação’ da
educação formal dos alunos.
8.
O
preceito
da
identidade
e
da
auto-estima.
Bruner (2002, p.40) afirma que “talvez o fato mais universal sobre a experiência
humana seja o fenômeno do Self, e nós sabemos que a educação é crucial para sua
formação. A educação deveria ser realizada tendo-se este fato em mente”. Como a
entrada na escola é uma das primeiras experiências institucionalizada da criança
fora da família, ela é de fundamental importância na elaboração dessa
autoconsciência e da ‘percepção’ do outro. É na escola que a criança começa a ter
seu desempenho julgado e isso faz com que faça uma auto-avaliação. A partir dessa
auto-avaliação, a criança vai construindo sua auto-estima. Então é importante que a
escola perceba a importância do seu papel nesse processo, pois é através dele que
a criança vai acreditando no que pode realizar e percebendo o que está além de
suas capacidades.
9.
O
preceito
narrativo.
Para Bruner (2002, p. 43) “a narrativa, a invenção de histórias, é o modo de pensar
e sentir que ajuda as crianças e as pessoas a criar uma versão do mundo no qual,
psicologicamente, elas podem vislumbrar um lugar para si – um mundo pessoal”. O
autor entende a narrativa como um modo de pensamento e como um veículo de
produção de significado. Para ele existem duas formas pelas quais os seres
humanos organizam e estruturam seu conhecimento do mundo: uma está mais
voltada para tratar as coisas físicas (pensamento lógico-científico); a outra, para
tratar de pessoas e de suas condições (pensamento narrativo). Bruner acredita que
como são características universais, apesar de se manifestarem de formas
diferentes em diferentes culturas, têm suas raízes no genoma humano. As escolas
têm privilegiado o pensamento lógico-científico, deixando para o pensamento
narrativo um papel secundário. Porém, a importância da narrativa para a coesão de
uma cultura é tão grande quanto o é para a construção da história de um indivíduo.
Então, precisamos desenvolver nas crianças a habilidade de construção e
compreensão de narrativas, pois assim estaremos promovendo sua compreensão
de si própria e de seu lugar no mundo.
A importância de vermos a criança como conhecedoras de suas formas de
interpretar o mundo é fundamental para a pedagogia contemporânea. Como Olson;
Bruner (2000) nos mostram, a criança tem uma teoria da mente, assim como os
professores. Faz-se necessário que reconheçamos esse importância e construamos
uma psicologia da educação que leve em conta esses aspectos “internalistas” do
desenvolvimento humano. Bruner (2002, p. 68) nos mostra que:
“A pedagogia moderna está partindo cada vez mais em direção à visão de que a
criança deveria estar ciente de seus próprios processos de pensamento e que é
essencial, tanto para o teórico da pedagogia quanto o professor, ajudá-la a tornar-se
mais cognitiva – a estar tão ciente de como realiza sua aprendizagem e
pensamento quanto da matéria que está estudando. Atingir habilidade e acumular
conhecimento não basta. Pode-se ajudar o aluno a atingir o domínio total ao refletir

também sobre como ele está realizando seu trabalho e de que forma sua
abordagem pode ser melhorada. Equipá-lo com uma boa teoria da mente – ou com
uma teoria do funcionamento mental – constitui uma parte de ajudá-lo a fazê-lo.”
Esse brilhante teórico nos traz uma teoria de desenvolvimento e ensino e
aprendizagem focada não apenas nos processos internos do indivíduo – no que diz
respeito à evolução da espécie e às diversas formas de pensamento (intuitivo e
racional) -, mas considerando também os aspectos da cultura, da comunicação
(linguagem e símbolos), da intersubjetividade (emoção e sentimentos relacionandose com a cognição). É um autor que não nos apresenta apenas uma teoria, mas nos
fornece uma visão prática dentro das escolas e das salas de aula, sendo um
importante referencial para todos os educadores que acreditem no potencial
transformador da educação.
Considerações finais
Apesar de muitas de suas idéias terem sido apresentadas à comunidade científica a
partir da década de 60, Bruner é um autor que apresenta idéias inovadoras e
revolucionárias em pleno século XXI. Infelizmente, ainda não é conhecido pela
grande maioria dos educadores.
As suas contribuições para a educação podem ser observadas nos posicionamentos
de alguns teóricos espanhóis, que tanto influenciam a educação brasileira, como o
psicólogo Fernando Hernández, que nos traz a proposta de trabalhar junto com as
crianças através de Projetos de Trabalho, promovendo uma aprendizagem pela
compreensão. Nessa proposta, o professor atua como mediador da construção de
conhecimento que é realizada pelo aluno; há um tema-problema que deve ser
investigado, descoberto, pela construção de significados; o aprendiz procura
estabelecer relações; parte-se de uma informação geral e, no processo de
investigação, vai-se aprofundando o esquema construído pelo grupo professoralunos; acessam-se diversas fontes de informações; o conteúdo não é prédeterminado; há uma “concretização” do que foi descoberto através de uma
apresentação para a comunidade que pode ser realizada utilizando-se as diversas
linguagens.
Poderíamos dizer que um Projeto de Trabalho é uma forma de estruturar e contar
uma história. Uma história que responda a uma pergunta, uma história baseada em
evidências, uma história que se converta em conhecimento compartilhado. Nada
mais “bruneriano” do que essa proposta!
Ao entrar em contato mais profundo com as idéias desse “sábio velhinho”, seguindo
o seu modelo espiral de construção de conhecimento, novas possibilidades de
articulação com minhas inquietações, enquanto aluna de uma programa de
mestrado em Psicologia Cognitiva, foram abertas. A idéia de uma estrutura “inata”
de pensamento narrativo no ser humano se apresenta como um caminho sólido na
cognição para a base da minha questão: poderiam os contos de fadas ajudar as
crianças com dificuldades de aprendizagem? Além do referencial psicanalítico que
ilumina o meu caminhar, Bruner acrescentou a importância da cultura e dos seus
símbolos na construção de um “sentimento” de identidade e de participação grupal,
como também o papel da intersubjetividade e das emoções para o desenvolvimento
do nosso potencial cognitivo. Em Bruner, a intuição é algo a se considerar, assim
como a psicologia popular.
Enquanto educadora, trabalhando numa proposta de formação de professores, as
idéias do autor resgatam o sonho por uma educação transformadora e a crença de
que podemos construir um mundo melhor.
No papel de psicóloga clínica, que trabalha com crianças com dificuldades de
aprendizagem, tive o prazer de encontrar nas posições desse brilhante teórico a
“explicação científica” para os acontecimentos e leituras da minha prática
profissional, principalmente quando é colocada a importância da construção de um
self e elevada auto-estima para a aprendizagem e do sujeito como autor de seu
processo de construção de conhecimento e de sua própria história (o que já seria
uma narrativa!!!).

Para finalizar, a mensagem do poeta Toquinho, que, como Bruner, sabe
compreender as crianças:
CASA DE BRINQUEDOS
Toquinho
Chegamos, filho.
É aqui. Prepare-se.
Aqui você vai descobrir um vale encantado
vai chegar na caverna misteriosa
e vai conhecer o estranho laboratório do cientista louco.
E eu queria lhe dizer uma coisa. Não esqueça, filho.
Uma rosa não é uma rosa. Uma rosa é o amanhã,
uma mulher o canto de um homem.
Uma rosa é uma invenção sua.
O mundo é uma invenção sua.
Você lhe dá sentido. Você o faz bonito. Você o cobre de cores.
Um brinquedo, o que é um brinquedo?
duas ou três partes de plástico, de lata ...
Uma matéria fria, sem alegria, sem História ...
Mas não é isso, não é, Filho?
Porque você lhe dá vida,
Você faz ele voar, viajar ...
Vamos, filho.
Sabe que lugar é esse?
É um lugar de sonhos.
Uma casa de brinquedos.
Vamos entrar.

Referências
Barros, C. S. G. (2002). Pontos de psicologia do desenvolvimento. São Paulo: Ática
Bock, A.; Furtado, O.; Teixeira, M. L. (1999). Psicologias: uma introdução ao estudo
de psicologia. São Paulo: Saraiva
Bruner, J. (1969). Uma nova teoria da aprendizagem. Rio de Janeiro: Bloch
Bruner, J. (1977). O processo da educação. Lisboa: Edições 70
Bruner, J. (1997a). Atos de significação. Porto Alegre: Artes Médicas
Bruner, J. (1997b). Realidade mental, mundos possíveis. Porto Alegre: Artes Médicas
Bruner, J. (2001). A cultura da educação. Porto Alegre: Artmed
Bruner, J. (2002). Piaget e Vygotsky. Celebremos a divergência. Em O. Houdé; C.
Meljac (Orgs.), O espírito piagetiano: homenagem internacional a Jean Piaget (pp.
213-226).Porto Alegre: Artmed
Garton, A. F.(1995). Social interaction and development of language and cognition.
UK: Lawrence Erlbaum Associates Publishers
Gouvêa, M. C. S. (2002). Infância, sociedade e cultura. Em A. Carvalho & F. Salles &
M. Guimarães (Orgs.), Desenvolvimento e aprendizagem (pp. 13-29). Belo
Horizonte: Editora da UFMG
Kishimoto, T. M. (1998). Bruner e a brincadeira. Em T. M. Kishimoto (Org.). O brincar
e suas teorias (pp. 139-153). São Paulo: Pioneira
Olson, D. R.; Bruner, J. (2000). Psicologia popular e pedagogia popular. Em D. R.
Olson; N. Torrance (Orgs.), Educação e desenvolvimento humano (pp. 21-35). Porto
Alegre: Artes Médicas Sul
Wood, D. (1996). Como as crianças pensam e aprendem. São Paulo: Martins Fontes

Publicado em 27/04/2003

Dokumen yang terkait

AN ALIS IS YU RID IS PUT USAN BE B AS DAL AM P E RKAR A TIND AK P IDA NA P E NY E RTA AN M E L AK U K A N P R AK T IK K E DO K T E RA N YA NG M E N G A K IB ATK AN M ATINYA P AS IE N ( PUT USA N N O MOR: 9 0/PID.B /2011/ PN.MD O)

0 82 16

Anal isi s L e ve l Pe r tanyaan p ad a S oal Ce r ita d alam B u k u T e k s M at e m at ik a Pe n u n jang S MK Pr ogr a m Keahl ian T e k n ologi , Kese h at an , d an Pe r tani an Kelas X T e r b itan E r lan gga B e r d asarkan T ak s on om i S OL O

2 99 16

IMPLEMENTASI E SERVICE PT TELKOM DALAM MENINGKATKAN BRAND AWARNESS ( StudiPadaDivisiPelayananPelanggan PT Telkom Kota Madiun)

1 22 61

Improving the VIII E Students’ Achievement in Writing a Recount Text by Using Dictogloss Technique at SMP Negeri 3 Kencong Jember;

3 42 15

Modul TK E 2016 150 hlm edit Tina M imas

2 44 165

Pengaruh Penerapan E Spt Ppn dan Kualitas Pelayanan Pajak Terhadap Kepuasan Wajib Pajak (Studi Kasus pada Pengusaha Kena Pajak di KPP Bandung Karees)

6 35 50

Pengaruh Penerapan E Faktur dan Efisiensi Pengisian SPT Terhadap Persepsi Pengusha Kena Pajak (Studi Kasus pada KPP Pratama Garut)

10 42 26

Pengaruh Persepsi Kemudahan dan Kepuasan Wajib Pajak Terhadap Penggunaan E Filling (Survei Pada Wajib Pajak Orang Pribadi Di Kpp Pratama Soreang)

12 68 1

Pengaruh Sistem Administrasi Perpajakan Modern dan Penerapan E Filling Terhadap Kualitas Pelayanan (Studi Kasus pada Kantor Pelayanan Pajak Pratama Subang)

5 56 42

PENGARUH ARUS PENGELASAN TERHADAP KEKUATAN TARIK PADA PENGELASAN BIMETAL (STAINLESS STEEL A 240 Type 304 DAN CARBON STEEL A 516 Grade 70) DENGAN ELEKTRODA E 309-16

10 133 86